Walter Lippmann (1992/1961) é considerado o fundador da conceptualização contemporânea dos estereótipos e do estudo das suas funções psicossociais.
O termo ‘estereótipo’ já existia desde 1798, mas o seu uso corrente estava reservado à tipografia, onde designava uma chapa de metal utilizada para produzir cópias repetidas do mesmo texto (Stroebe e Insko, 1989). O termo também já era usado de forma esporádica nas ciências sociais para denotar algo ‘fixo’ e ‘rígido’, o que se prende com a origem etimológica da palavra: stereo que, em grego, significa ‘sólido’, ‘firme’.
Por analogia, Lippmann salientou a ‘rigidez’ das imagens mentais, especialmente aquelas que dizem respeito a grupos sociais com os quais temos pouco ou nenhum contacto directo. A visão dos estereótipos como algo rígido caracterizou muitos dos estudos posteriores sobre esta temática. No entanto, o autor não descurou a possibilidade de mudança dos estereótipos e salientou o carácter criativo da mente humana.
Lippmann conceptualizou os estereótipos como resultantes de um processo ‘normal’ e ‘inevitável’, inerente à forma como processamos a informação.
Ele (Lippmann) define os estereótipos como imagens mentais que se interpõem, sob a forma de enviesamento, entre o indivíduo e a realidade. Segundo o autor, os estereótipos formam-se a partir do sistema de valores do indivíduo, tendo como função a organização e estruturação da realidade:
“For the real environment is altogether too big, too complex, and too fleeting for direct acquaintance. We are not equipped to deal with so much subtlety, so much variety, so many permutations and combinations. And although we have to act in that environment, we have to reconstruct it on a simpler model before we can manage with it. To traverse the world men must have maps of the world” (Lippmann, 1922/1961: 16).
Lippmann salienta o papel activo do indivíduo na construção dos estereótipos que são sempre ‘selectivos’ e ‘parciais’.
Um dos motivos que explicaria o carácter ‘fixo’ dos estereótipos seria precisamente a necessidade do indivíduo proteger a sua definição da realidade.
Quando um membro de determinado grupo age de forma contraditória ao estereótipo, Lippmann considera que, na maior parte das vezes, este membro passa a ser visto como uma excepção, mantendo-se o estereótipo intacto. Este só é abalado se o indivíduo ainda tiver alguma flexibilidade de espírito ou se a informação incongruente for demasiado impressionante para ser ignorada:
“If the experience contradicts the stereotype, one of two things happens. If the man is no longer plastic, or if some powerful interests make it highly inconvenient to rearrange his stereotypes, he pooh-poohs the contradiction as an exception that proves the rule, discredits the witness, finds a flaw somewhere, and manages to forget it. But if he is still curious and open-minded, the novelty is taken into the picture, and allowed to modify it. Sometimes, if the incident is striking enough, and if he has felt a general discomfort with his established scheme, he may be shaken to such an extent as to distrust all accepted ways of looking at life” (Lippmann, 1922/1961: 100).
O estudo empírico dos estereótipos começou pouco depois da publicação da obra de Lippmann. Fortemente influenciado pela definição dos estereótipos como ‘pictures inside our heads’, Rice (1926-1927; referido por Oakes, Haslam e Turner, 1994) realizou um estudo em que apresentou aos participantes uma série de fotografias de pessoas pertencentes a diferentes grupos sociais. Estes efectuaram facilmente correspondências entre as fotografias e os ‘social types’ e procederam a atribuições de traços de personalidade, baseando-se neste processo de correspondência. Esta técnica não teve, contudo, grande sucesso na altura, só vindo a ser recuperada muito mais tarde.
LaPiere, um psicólogo social americano branco, viajou pelos EUA acompanhado por um casal de chineses, bem parecidos e bem vestidos, muito sorridentes e com um “inglês sem pronúncia” (1934: 232). O autor foi anotando as reacções dos funcionários dos diversos estabelecimentos hoteleiros. Nesta viagem foram recebidos em 66 hotéis e em 184 restaurantes e cafés, tendo apenas sofrido uma recusa num hotel. Algum tempo depois foi enviada uma carta a cada um destes estabelecimentos, perguntando se aceitariam chineses como clientes. Das respostas recebidas, 92% eram negativas, tendo as restantes afirmado que dependeria das circunstâncias.
Os resultados mostraram que é possível haver uma manifestação de tolerância ao nível comportamental e, simultaneamente, uma expressão de intolerância ao nível atitudinal, pelo que foram interpretados como reflectindo uma inconsistência entre atitudes e comportamentos
A discrepância entre atitudes e comportamentos está bem ilustrada empiricamente por réplicas do estudo de LaPierre. Por exemplo, Kutner, Wilkins e Yarrow (1952) replicaram este estudo de LaPiere usando como grupo-alvo os negros, tendo obtido resultados idênticos. De referir, no entanto, que o estudo foi realizado com três jovens, duas brancas e uma negra, “bem vestidas e bem educadas”. Assim, tanto neste estudo como no anterior, o estatuto social percebido das pessoas-alvo poderá ter tido forte impacto nos resultados.
Apesar das críticas iniciais ao método de questionário, esse foi, sem dúvida, o mais popular no estudo dos estereótipos, pelo menos até à ‘revolução cognitiva’. O método mais utilizado foi o da ‘lista de adjectivos’, desenvolvido por Katz e Braly (1933; 1935).
João Cardoso
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