sábado, 6 de novembro de 2010

Freud, Cultura e Conflito


A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter as suas manifestações sob o controle de formações psíquicas reactivas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relações amorosas inibidas na sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo facto de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. 

Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo achava-se numa situação melhor, sem conhecer restrições aos seus instintos. Em contrapartida, as suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito ténues. O homem civilizado trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança.

Sigmund Freud, Mal-estar na Civilização
Library of Congress, Sigmund Freud

A Psicanálise constitui uma interpretação incontornável do comportamento humano, não apenas sob o ponto de vista psicológico, i. é, individual, mas também sob o ponto de vista colectivo, ou sociológico. Concorde-se ou não com a teoria psicanalítica de Freud, é inegável o impacto que ela teve na cultura ocidental do século XX. Bastaria pensar por um momento na ideia de que o Eu já não é dono e senhor na sua própria casa, para "deitar por terra" dois mil anos de um certo tipo de reflexão filosófica e científica. A revolução coperniciana que Freud representa para as ciências humanas, coloca-o inquestionavelmente numa posição semelhante à de Darwin nas ciências biológicas. E, olhando atentamente para o nosso mundo actual, parece inegável, a vários níveis, que as intuições de Freud se revelam acertadas, senão mesmo surpreendentemente certas. Bem entendido, gozamos de inteira liberdade para discordar das asserções anteriores, bem como das considerações que Freud tece sobre a vida social humana, no pequeno texto que hoje aqui se publica. Vamos a isso!


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